Demissão por videochamada pode gerar indenização? Entenda o que diz a Justiça do Trabalho

O desligamento de um colaborador é um momento delicado, que envolve não só questões administrativas, mas também impactos humanos, emocionais e, cada vez mais, jurídicos. A forma como a empresa conduz essa etapa pode reforçar sua imagem de respeito e cuidado ou, ao contrário, gerar desgastes que ultrapassam o ambiente corporativo e chegam aos tribunais.

Com o avanço das tecnologias de comunicação e a popularização do trabalho remoto, surgiram novas formas de realizar reuniões, entrevistas e até demissões. Mas até que ponto essas ferramentas podem substituir o contato presencial em situações delicadas? Essa é uma dúvida que hoje ocupa gestores de RH, advogados trabalhistas e o próprio Judiciário, que tem se deparado com casos onde a forma de comunicar a dispensa se torna tão relevante quanto o motivo do desligamento.

Foi nesse contexto que uma decisão recente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região ganhou destaque, ao reconhecer que a opção pela demissão por videochamada, em determinadas circunstâncias, ultrapassou os limites do poder diretivo do empregador e resultou em indenização por dano moral.

Como ocorreu a demissão por videochamada que levou à condenação

O processo analisado pelo TRT da 15ª Região envolveu um tesoureiro que trabalhou por mais de duas décadas na mesma empresa do setor sucroalcooleiro e de energia. No dia do desligamento, ele estava na sede e foi chamado a uma sala reservada. A notícia, porém, não veio de um encontro presencial: foi comunicada por meio de uma videochamada realizada pelo coordenador, em regime de home office, pelo aplicativo Teams.

A cena chamou atenção porque nenhum outro funcionário havia sido demitido dessa forma. Testemunhas relataram que, após a chamada, o empregado retornou à mesa, recolheu seus pertences e deixou o local abalado.

Na defesa, a empresa alegou protocolos de prevenção à COVID-19 e afirmou acreditar que o trabalhador não estaria presente na unidade naquele dia. As provas, no entanto, demonstraram o contrário.

Em primeira instância, o pedido de indenização foi negado. No julgamento do recurso, a relatora Mari Angela Pelegrini entendeu que a forma de dispensa foi constrangedora e discriminatória, considerando o tempo de serviço e a função sensível desempenhada. A indenização foi fixada em R$ 1 mil por ano trabalhado, totalizando R$ 22 mil.

Por que a Justiça considerou a demissão virtual constrangedora

O ponto central da decisão não foi o uso da tecnologia em si. A Justiça reconheceu que a lei não proíbe a comunicação virtual da dispensa. O problema estava na forma no modo como a medida foi aplicada.

Ao analisar o caso, o colegiado deixou claro: a questão não era discutir se é permitido usar videochamada, mas se essa opção, diante das circunstâncias concretas, gerou humilhação. Para os desembargadores, pesaram três fatores:

  • o longo tempo de serviço do empregado (22 anos), que merecia tratamento mais respeitoso;
  • a função desempenhada, em um setor sensível (tesouraria), onde a confiança é primordial;
  • e o fato de ter sido a primeira vez que a empresa adotou esse procedimento, já que nenhum outro colaborador havia sido demitido dessa forma.

Ou seja, não foi a tecnologia a culpada, mas a falta de sensibilidade no uso dela. Se todos estivessem em regime remoto, talvez a dispensa virtual fosse aceitável. Mas naquela circunstância, em que o empregado estava presencialmente no escritório, a opção pelo vídeo soou fria, desproporcional e discriminatória.

Esse raciocínio demonstra que o Judiciário está atento não só ao conteúdo jurídico da dispensa, mas também à sua forma. A dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, serve como parâmetro para avaliar se determinado procedimento extrapola os limites do poder diretivo do empregador.

Ao compreender esse raciocínio, gestores e empresários percebem que a decisão judicial não foi um ataque ao uso de ferramentas digitais, mas sim um sinal sobre como a falta de cuidado em momentos delicados pode transformar um desligamento em um litígio.

Como a Justiça interpreta o dano moral em demissões?

O poder de demitir é reconhecido pela legislação trabalhista. A empresa não precisa justificar a dispensa sem justa causa, bastando pagar as verbas rescisórias previstas na lei. Mas o modo como esse poder é exercido pode gerar consequências adicionais.

O dano moral surge quando a conduta do empregador viola direitos de personalidade do trabalhador, como honra, imagem ou dignidade. Não é qualquer incômodo que gera indenização: é preciso haver humilhação, exposição ou constrangimento que ultrapassem a normalidade da relação de trabalho.

No caso julgado pelo TRT da 15ª Região, que esse artigo analisa, o Tribunal entendeu que a forma escolhida para a dispensa atingiu exatamente esse limite. Um funcionário experiente, com carreira longa e em função estratégica, foi comunicado do desligamento de maneira inédita e diferenciada em relação aos colegas.

O Tribunal avaliou que, nessas condições, houve quebra de isonomia e desrespeito ao princípio da dignidade humana.

A indenização foi fixada em R$ 22 mil, mas a quantia foi a consequência visível de algo mais profundo: a reafirmação de que a dispensa não é um ato meramente administrativo, mas um momento carregado de valor simbólico e humano.

Esse entendimento está alinhado à jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que em outros precedentes já considerou abusiva a dispensa feita em público ou com exposição indevida do trabalhador. A jurisprudência reforça que o poder de demitir não é absoluto e deve ser exercido com respeito.

Essa percepção muda como empresários e RH precisam encarar os desligamentos. Eles deixam de ser uma obrigação burocrática e são também um exercício de responsabilidade social e reputacional.

O que empresas e RH podem aprender com o caso

Se a decisão judicial deixou um recado, ele foi direto: a forma importa tanto quanto o conteúdo. Empresas que concentram seus cuidados no cálculo das verbas rescisórias podem estar deixando de lado um risco significativo.

O primeiro aprendizado é que empatia e respeito são parte da gestão de riscos. Reconhecer a trajetória de quem trabalhou por anos na empresa, garantir que o comunicado seja feito em ambiente adequado e permitir que o empregado se sinta tratado com consideração são medidas simples, mas que reduzem muito a chance de litígio.

Outro ponto é a coerência nas práticas internas. No caso julgado, a demissão virtual foi aplicada só para um funcionário, criando um tratamento desigual em relação aos demais. Isso foi determinante para a condenação. Logo, empresas devem padronizar procedimentos e evitar improvisos que possam ser interpretados como discriminação.

Além disso, o episódio mostra a importância de preparar lideranças. Nem sempre gestores estão treinados para conduzir desligamentos de maneira humanizada e segura. Investir em capacitação ajuda a prevenir erros capazes de gerar impactos financeiros e reputacionais relevantes.

Por fim, o caso chama atenção para a necessidade de políticas de compliance trabalhista que contemplem não apenas admissões e contratos, mas também a etapa de desligamento. Incorporar esse cuidado nas rotinas organizacionais é uma forma de mostrar ao Judiciário, em eventual litígio, que a empresa age de maneira estruturada e responsável.

Ao refletir sobre essas lições, fica evidente que desligamentos não podem ser tratados como etapas secundárias, mas como momentos estratégicos para preservar a reputação corporativa.

Como evitar riscos jurídicos em demissões?

Se a forma de comunicar a dispensa pode gerar indenizações, cabe às empresas repensar seus protocolos. Algumas boas práticas ajudam a reduzir riscos:

  • Ambiente reservado e presencial: sempre que possível, conduza a dispensa em local reservado, com discrição, e de preferência presencial.
  • Padronização: adote critérios uniformes para todos os desligamentos, evitando tratamentos diferenciados que possam ser interpretados como discriminatórios.
  • Comunicação clara e respeitosa: evite justificativas vagas ou discursos frios. O tom deve ser objetivo, mas sem descartar a consideração pela história do colaborador.
  • Acompanhamento do RH: contar com um representante do RH no momento da comunicação ajuda a garantir que os procedimentos sejam seguidos e documentados.
  • Registro documental: mantenha atas, e-mails ou relatórios que demonstrem como a dispensa foi conduzida, resguardando a empresa em caso de questionamento judicial.
  • Capacitação de gestores: prepare lideranças para lidar com situações de desligamento de maneira humanizada, evitando improvisos que possam gerar constrangimentos.

Essas práticas não eliminam totalmente o risco de litígio, mas demonstram ao Judiciário que a empresa agiu com diligência e respeito. Isso pode ser decisivo na hora de afastar ou reduzir eventual indenização.

Mais do que prevenir ações judiciais, elas contribuem para fortalecer a imagem da empresa como organização que valoriza pessoas, mesmo quando precisa encerrar vínculos. E em tempos em que reputação corporativa pesa tanto quanto resultados financeiros, esse é um ativo que não pode ser ignorado.

Conclusão

O julgamento que condenou uma empresa a indenizar um tesoureiro por demissão via videochamada não deve ser lido exclusivamente como uma decisão isolada. Ele integra uma tendência mais ampla de responsabilizar empregadores pela forma como exercem o poder de demitir.

A tecnologia pode e deve ser aliada nas relações de trabalho. Mas, usada de maneira inadequada, pode transformar um ato administrativo em constrangimento e litígio. O recado para empresários e gestores de RH é claro: a humanização dos processos é também uma estratégia de gestão de riscos.

Ao incorporar boas práticas, padronizar procedimentos e tratar desligamentos com respeito, as empresas não só evitam condenações, mas também reforçam sua cultura organizacional. Afinal, uma dispensa não encerra exclusivamente um contrato: ela deixa uma marca, positiva ou negativa, na história de quem sai e de quem fica e de quem fica.

Em caso de dúvidas, nossos canais de comunicação estão disponíveis para esclarecimentos sobre este e outros assuntos jurídicos.