O tema da jornada de trabalho aparece com frequência nas discussões da Justiça do Trabalho. Em agosto de 2025, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou uma empresa do setor de alimentos a indenizar um caminhoneiro que cumpria rotinas de até 21 horas por dia.
O caso, de grande repercussão, serve de alerta aos empregadores: jornadas extenuantes não se resolvem apenas com o pagamento de horas extras. Elas expõem a empresa ao risco de reconhecimento do dano existencial, que pode gerar condenações ainda mais severas.
Para empresários e gestores de Recursos Humanos, compreender esse risco é indispensável. A responsabilidade jurídica vai além da folha de pagamento e inclui assegurar que o trabalhador consiga manter sua vida pessoal, familiar e social em condições mínimas de dignidade.
Essa perspectiva é obrigatória para entender a postura cada vez mais rigorosa da Justiça ao ampliar o alcance do dano existencial no ambiente corporativo.
O que é jornada extenuante e por que preocupa as empresas
A legislação brasileira fixa limites objetivos para a jornada de trabalho. A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XIII, estabelece o máximo de 8 horas diárias e 44 horas semanais, assegurado o descanso semanal remunerado.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nos artigos 58 e 59, detalha essas regras e admite, em situações específicas, a prorrogação da jornada por até 2 horas extras diárias, caso haja acordo individual, convenção ou acordo coletivo e o pagamento do adicional correspondente.
Há ainda hipóteses excepcionais em que a lei permite a ampliação ou a redução da jornada. O artigo 61 da CLT autoriza a prorrogação em casos de força maior, serviços inadiáveis ou recuperação de serviços essenciais. Já o artigo 62 exclui do controle de jornada os empregados externos incompatíveis com fixação de horário, os cargos de confiança e os teletrabalhadores sem controle de ponto.
Quando a empresa ultrapassa esses limites de forma habitual, sem garantir o descanso legal e sem se enquadrar nas exceções, configura-se a jornada extenuante. Essa prática expõe o empregador a riscos jurídicos e compromete o bem-estar do trabalhador. O excesso reduz a produtividade, amplia o risco de acidentes e gera passivos significativos.
Além dos cálculos de horas extras, a discussão envolve a responsabilidade jurídica e social do empregador. Nesse cenário, a noção de dano existencial ganhou força na jurisprudência, reconhecendo que jornadas abusivas podem limitar o exercício de direitos fundamentais.
Dano existencial: da doutrina à prática empresarial
O conceito de dano existencial surgiu na doutrina italiana, sendo incorporado ao direito brasileiro nos anos 2000. A reforma trabalhista de 2017 consolidou o tema nos artigos 223-B e 223-C da CLT, reconhecendo que a violação pode atingir dimensões da vida para além do corpo e da mente, comprometendo a convivência familiar, o lazer, a participação social e a autoestima.
A legislação passou a prever expressamente que, além do dano moral, pode haver também o dano existencial, quando a jornada impede o trabalhador de exercer atividades básicas de uma vida digna. Para a Justiça do Trabalho, esse prejuízo decorre da impossibilidade de usufruir do tempo livre, mesmo sem diagnóstico clínico de doença.
Quando a jornada configura o dano
A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) já decidiu que o excesso de horas, por si só, não garante indenização, sendo necessária a comprovação de prejuízos concretos. No entanto, o TST tem admitido situações-limite em que a intensidade da jornada torna desnecessária essa prova adicional. É o caso do chamado “distinguishing”, quando determinados abusos não podem ser tratados como regra geral.
Essa interpretação ganhou força no julgamento recente que envolveu a JBS, em que a jornada extenuante foi considerada, por si só, suficiente para caracterizar o dano existencial. A partir desse ponto, fica claro que as empresas não podem tratar o tema apenas como cálculo de horas extras, mas como risco jurídico relevante.
O caso JBS: um sinal para empregadores
O processo analisado envolveu um caminhoneiro que trabalhava das 6h às 22h, com apenas duas folgas mensais. Em algumas ocasiões, sua rotina chegava a 21 horas diárias, o que tornava inviável qualquer forma de descanso ou convívio familiar.
A empresa sustentou que não havia prova concreta de prejuízo existencial, mas a Terceira Turma do TST rejeitou o argumento. Para o relator, ministro Alberto Balazeiro, “é impossível não reconhecer configurado o ato ilícito” diante de jornadas tão longas, inclusive em domingos e feriados, sem compensação adequada.
O valor da indenização foi fixado em R$ 12 mil. Mais do que o aspecto financeiro, o precedente deixou claro que jornadas abusivas representam afronta direta à dignidade humana e podem gerar indenizações além do pagamento de horas extras.
As empresas de setores com alta demanda operacional, como transporte, logística, agronegócio e indústria devem estar atentas a essa decisão. Ela também aponta para um ponto central: a Justiça do Trabalho tem sinalizado maior rigor em casos de jornadas extenuantes, tendência que se confirma em decisões posteriores.
Tendências da Justiça do Trabalho sobre jornadas abusivas
O caso JBS não é isolado. A Justiça do Trabalho tem adotado postura mais rigorosa diante de jornadas excessivas. Embora a regra ainda exija comprovação de prejuízo, já se consolidam decisões em que o excesso extremo de horas é suficiente para caracterizar o dano existencial.
Esse movimento ficou evidente em decisões de 2025. Quando a jornada ultrapassa 16 horas diárias, os tribunais têm reconhecido que a limitação do tempo inviabiliza qualquer vida social ou familiar, dispensando a necessidade de provas adicionais.
Repercussão coletiva e segurança pública
A discussão não se restringe ao contrato individual. Jornadas abusivas aumentam o risco de acidentes de trabalho e, em setores como o transporte rodoviário, comprometem a segurança de toda a sociedade. Por isso, os julgados recentes demonstram que a proteção vai além da esfera privada e alcança o interesse público.
Essa evolução jurisprudencial indica que empresários e RH precisam repensar a gestão de jornadas sob a ótica do compliance e da responsabilidade social. Esse é também o elo com o próximo desafio: entender os reflexos dessas práticas na saúde e na segurança do trabalhador, que impactam diretamente a empresa.
Saúde e segurança: reflexos diretos para as empresas
Os impactos da jornada extenuante não se limitam ao campo jurídico. Eles atingem diretamente a saúde e a segurança do trabalhador. Um estudo conjunto da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontou que, em 2016, cerca de 745 mil pessoas morreram por doenças associadas ao excesso de trabalho, como AVC e enfermidades cardíacas. O levantamento também destacou o aumento de casos de ansiedade, depressão, insônia e a síndrome de burnout.
No Brasil, o Ministério da Saúde incluiu o burnout na lista de doenças ocupacionais em 2023, corroborando com a tese de que jornadas abusivas devem ser tratadas como risco laboral. Para as empresas, a negligência nesse ponto não apenas gera passivos trabalhistas, mas também afeta a reputação da marca e a capacidade de atrair e reter talentos.
O papel das empresas na prevenção do dano existencial
Os riscos à saúde e à reputação corporativa mostram por que as empresas precisam adotar medidas preventivas contra jornadas abusivas. O cumprimento dos limites legais de jornada é o primeiro passo. Quando esse controle falha, surgem não apenas passivos trabalhistas, mas também responsabilidades ligadas à saúde ocupacional.
Para reduzir riscos, o RH deve manter sistemas de ponto confiáveis, garantir folgas regulares e respeitar o descanso semanal remunerado. Além disso, políticas de compliance trabalhista devem incluir treinamento de lideranças, auditorias internas e protocolos claros de prevenção de abusos.
Outro caminho é investir em programas de bem-estar: acompanhamento psicológico, incentivo à prática de atividades físicas e, quando viável, flexibilização de horários. Essas medidas não substituem as obrigações legais, mas reforçam a cultura organizacional e fortalecem a imagem da empresa como empregadora responsável. A mensagem é clara: prevenir custa menos do que litigar.
Como a Justiça define os valores de indenização
Quando a prevenção falha, a discussão chega ao Judiciário. Nesses casos, cabe ao juiz definir o valor da indenização por dano existencial. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seus artigos 223-G e 223-H, orienta esse cálculo com base em critérios como a intensidade do sofrimento causado, a extensão do dano e a capacidade econômica do empregador.
Na prática, os tribunais têm fixado valores diferentes conforme a gravidade da conduta. Em casos de jornadas extenuantes, as condenações mais comuns variam entre R$ 5 mil e R$ 20 mil. O processo que envolveu a JBS, por exemplo, terminou com indenização de R$ 12 mil.
É importante lembrar que essa indenização não substitui o pagamento de horas extras. Trata-se de uma condenação adicional, aplicada quando a Justiça entende que a dignidade e a vida pessoal do trabalhador foram comprometidas.
Esse cenário amplia o passivo das empresas e demonstra a importância de políticas preventivas. A gestão de jornadas deve ser tratada como parte do planejamento estratégico e não apenas como questão operacional de RH. Na próxima seção, veremos como transformar esse cuidado em boas práticas de gestão.
Perguntas frequentes sobre jornada extenuante e dano existencial
1. O que caracteriza uma jornada extenuante no Brasil?
A legislação (CF, art. 7º, XIII, e CLT, arts. 58 e 59) fixa limite de 8 horas diárias e 44 horas semanais, com até 2 horas extras autorizadas por acordo. Quando esses limites são ultrapassados com habitualidade, sem descanso adequado e sem se enquadrar nas exceções legais, configura-se a jornada extenuante.
2. A jornada extenuante sempre gera direito a indenização por dano existencial?
Não. Em regra, o trabalhador deve comprovar prejuízo concreto à sua vida pessoal. Contudo, o TST já reconheceu o dano mesmo sem prova adicional em casos extremos, como de jornadas acima de 16 horas diárias, ausência de folgas e descanso semanal.
3. Qual a diferença entre horas extras e dano existencial?
Horas extras são devidas quando há excesso de jornada, desde que registradas ou comprovadas. Já o dano existencial é uma indenização adicional, aplicada quando o excesso de trabalho compromete a vida pessoal, familiar e social do empregado.
4. Quais setores correm maior risco de condenações?
Setores com alta demanda operacional, como transporte, logística, agronegócio e indústria, tendem a apresentar mais processos. Isso ocorre porque a pressão por produtividade aumenta a chance de jornadas abusivas.
5. Como a Justiça define os valores de indenização?
A CLT (arts. 223-G e 223-H) orienta o juiz a considerar a gravidade do ato, a extensão do dano e a capacidade econômica da empresa. Os valores variam, mas casos recentes têm oscilado entre R$ 5 mil e R$ 20 mil.
6. O que as empresas podem fazer para prevenir esse passivo?
Manter sistemas confiáveis de controle de jornada, garantir folgas regulares, treinar gestores para respeitar limites legais e adotar programas de bem-estar. Essas medidas reduzem riscos jurídicos e fortalecem a reputação da empresa.
Conclusão
A decisão contra a JBS mostra que o tema da jornada extenuante está em evidência e deve ser acompanhado de perto pelos empresários. Mais do que cumprir a legislação formal, é preciso estruturar políticas de prevenção e cuidado com o trabalhador.
Empresas que negligenciam o tema correm o risco de condenações expressivas, danos à reputação e perda de competitividade. Por outro lado, aquelas que adotam boas práticas de gestão de jornada fortalecem sua imagem institucional e reduzem riscos jurídicos.
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