Compliance trabalhista: como evitar riscos jurídicos e proteger a sua empresa

O compliance trabalhista tornou-se decisivo para empresas que precisam reduzir riscos em um ambiente de fiscalização rigorosa, intensificação do trabalho remoto e ampla produção de prova digital. A digitalização das rotinas e o avanço dos sistemas de controle transformaram a forma empregadores administram conflitos e demonstram suas práticas diante da Justiça do Trabalho. Mais do que um conjunto de normas internas, o compliance é uma estratégia empresarial que organiza processos, padroniza condutas e, quando integrada à cultura da empresa, atua como um verdadeiro escudo jurídico capaz de prevenir disputas e fortalecer a governança. O que é compliance trabalhista e por que ele é decisivo hoje O compliance trabalhista é o conjunto de políticas, controles e práticas internas adotadas pela empresa para garantir o cumprimento das normas trabalhistas e a organização das rotinas de gestão de pessoas. Ele funciona como um sistema que orienta o comportamento da liderança, estabelece padrões claros de conduta e documenta cada etapa relevante da relação de trabalho, da admissão ao desligamento. A importância do compliance trabalhista cresceu com a digitalização dos processos corporativos. A expansão do trabalho remoto, o uso de aplicativos de comunicação, a adoção de sistemas de ponto eletrônico e a rastreabilidade das operações aumentaram a quantidade de dados disponíveis para análise em juízo. Hoje, a prova digital tem peso significativo na Justiça do Trabalho e costuma definir o resultado das ações. Empresas que estruturam o compliance trabalhista conseguem reduzir falhas operacionais, evitar práticas informais e demonstrar com precisão o cumprimento das obrigações legais. Isso amplia a segurança jurídica, diminui o volume de litígios e fortalece a governança interna. Como o compliance trabalhista reduz litígios na prática A maioria dos conflitos trabalhistas nasce de falhas simples que poderiam ser evitadas com regras claras, procedimentos uniformes e registros consistentes. O compliance trabalhista atua justamente nesse ponto: ele organiza a rotina, padroniza condutas e impede que decisões isoladas da liderança gerem interpretações contraditórias entre os setores. Quando políticas internas são compreendidas e aplicadas uniformemente, a empresa reduz improvisos, orientações informais e discrepâncias entre gestores. Isso diminui o risco de alegações divergentes em juízo, principalmente em temas recorrentes como jornada, advertências, uso de equipamentos, comunicação por aplicativos e supervisão de equipes remotas. Outro elemento central é a documentação. Ao registrar treinamentos, orientações, acordos internos, entrega de EPIs, marcações de ponto, avaliações de desempenho e reuniões da liderança, a empresa cria um histórico verificável. Esse histórico se torna prova digital, capaz de sustentar a versão dos fatos em uma ação trabalhista e reduzir a insegurança jurídica. O compliance também reduz litígios ao evitar práticas informais que se acumulam com o tempo. Orientações verbais, advertências sem registro, autorizações de horas extras fora do sistema e comunicações por canais não oficiais são exemplos de condutas que, sem controle, geram disputas difíceis de comprovar. Na prática, quando o compliance trabalhista funciona, a empresa passa a operar com previsibilidade. Cada área sabe o que deve fazer, cada gestor entende seus limites e cada colaborador conhece as regras. Essa organização diminui ruídos, reduz conflitos e melhora o ambiente de trabalho, evitando que problemas cotidianos evoluam para ações judiciais. Como estruturar um programa de compliance trabalhista eficiente Para o compliance trabalhista funcionar na prática, a empresa precisa estruturá-lo em etapas claras. Não basta ter um manual ou reunir documentos; é necessário seguir um processo que organiza os riscos, define regras compatíveis com a rotina e garante que a liderança consiga aplicar essas regras com consistência. A seguir, estão os pilares que formam um programa de compliance trabalhista eficiente. A empresa precisa mapear seus riscos reais, observando rotinas de cada setor, histórico de litígios, fragilidades de documentação, práticas informais da liderança e particularidades operacionais. Esse levantamento orienta todas as etapas seguintes e evita a criação de políticas que não combinam com a realidade interna. A partir do diagnóstico, o próximo passo é desenvolver políticas internas claras e aplicáveis. Essas políticas devem tratar de temas como jornada, home office, assédio, procedimentos disciplinares, uso de equipamentos, comunicação interna, gestão de terceiros, prevenção de riscos ergonômicos e acesso a sistemas. Textos excessivamente formais ou distantes do cotidiano não funcionam; o conteúdo precisa ser compreendido pela liderança e pelos colaboradores. Depois, o programa depende de treinamento. A liderança é quem transforma o compliance em prática diária. Por isso, gestores precisam receber orientações específicas, entender limites, saber documentar decisões e aplicar procedimentos de maneira uniforme. Sem treinamento, políticas internas viram documentos ignorados e não geram impacto real. A comunicação interna é outro pilar. O compliance trabalhista não se consolida apenas por meio de manuais. Ele exige campanhas internas, lembretes, orientações recorrentes e canais abertos para esclarecer dúvidas. Quanto mais clara a comunicação, menor o risco de ruídos que geram conflitos e interpretações contraditórias. O programa também deve prever monitoramento contínuo. A empresa precisa acompanhar se os procedimentos estão sendo aplicados, revisar documentos, ajustar fluxos e avaliar condutas da liderança. Esse acompanhamento fortalece a governança e impede que práticas informais se reincorporem à rotina. Quando essas etapas funcionam em conjunto, o compliance deixa de ser percebido como um conjunto de regras soltas e estrutura a cultura organizacional. A empresa ganha previsibilidade, reduz vulnerabilidades e melhora a consistência das decisões internas. Governança trabalhista e o papel da liderança no cumprimento das normas internas Governança trabalhista: o papel da liderança e da alta gestão A governança trabalhista é o eixo que transforma políticas internas em comportamento real. Ela garante que a liderança siga os mesmos padrões, tome decisões coerentes e mantenha a rotina alinhada às regras da empresa. A liderança é responsável por aplicar orientações, registrar procedimentos e evitar improvisos que geram risco jurídico. Quando cada gestor cria sua própria prática, surgem contradições: um permite condutas que outro proíbe; um formaliza advertências enquanto outro comunica verbalmente; um exige registro de jornada enquanto outro autoriza exceções informais. Essa falta de uniformidade abre espaço para disputas trabalhistas. Para evitar essas inconsistências, a governança exige acompanhamento constante. A empresa precisa verificar se gestores estão aplicando as políticas corretamente, se treinamentos foram absorvidos, se documentos estão
Home office: como funciona o controle de ponto no trabalho remoto?

A popularização do trabalho remoto transformou não só o modo de produzir, mas também a forma de fiscalizar o cumprimento da jornada. O trabalho remoto ampliou a liberdade de horários, mas também trouxe o desafio de manter o controle de ponto de forma segura e transparente. O avanço das tecnologias e as mudanças nas relações de trabalho exigiram que as empresas adaptassem seus sistemas de gestão a uma nova realidade, em que a distância física não elimina o dever legal de controle. A legislação brasileira já prevê parâmetros claros para o registro da jornada, mesmo fora do ambiente de escritório, garantindo segurança jurídica para empregadores e empregados. O que é controle de ponto e por que ele é obrigatório O controle de ponto é o sistema utilizado pelas empresas para registrar o início, os intervalos e o término da jornada de trabalho de seus empregados. Ele tem como principal objetivo garantir a transparência na relação de trabalho, permitindo o correto pagamento de horas extras, adicionais e descansos. A obrigatoriedade do controle decorre do artigo 74, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que determina que empresas com mais de 20 empregados mantenham registro de ponto manual, mecânico ou eletrônico. Essa exigência serve como proteção mútua: para o empregador, ao documentar o cumprimento da jornada; e para o empregado, assegurar a remuneração devida. Nos últimos anos, o avanço tecnológico substituiu o ponto físico por ferramentas digitais capazes de realizar o registro de forma precisa e segura, em especial diante da expansão do trabalho remoto. Controle de ponto no home office O controle de ponto no home office consiste no acompanhamento das horas trabalhadas por empregados que exercem suas funções fora da empresa. Ele tem o mesmo propósito do ponto presencial: registrar com exatidão o início e o fim da jornada, além dos intervalos. A digitalização do trabalho permitiu o uso de aplicativos, softwares corporativos e sistemas online integrados para esse registro. Esses mecanismos têm validade jurídica e podem servir como prova em eventuais reclamações trabalhistas, desde que garantam a integridade e autenticidade das marcações. O que diz a lei sobre o controle de jornada remota A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) introduziu na CLT o artigo 75-B, para regulamentar o teletrabalho como uma modalidade legítima, com regras próprias. Mais recentemente, a Portaria nº 671/2021 do Ministério do Trabalho e Emprego regulamentou os sistemas eletrônicos de ponto e detalhou como o registro remoto deve ser feito. De acordo com a Portaria, o controle pode ser eletrônico, manual ou mecânico, desde que assegure integridade, segurança e confiabilidade dos dados. Sistemas alternativos, como aplicativos e logins de rede, são permitidos se houver acordo coletivo ou política interna aprovada pela empresa. Além disso, o artigo 62, III, da CLT prevê exceção para trabalhadores em regime de teletrabalho que exerçam atividades incompatíveis com o controle de jornada, ou seja, quando não há meios técnicos de mensurar o tempo de trabalho. No entanto, essa exceção deve ser aplicada com cautela, pois o avanço das tecnologias de monitoramento tornou possível registrar quase todas as formas de prestação de serviço. Como funciona o registro de ponto à distância O registro remoto pode ocorrer de diversas formas. As empresas mais estruturadas utilizam sistemas de ponto eletrônico online, que permitem marcações via computador, smartphone ou tablet. Outros modelos mais simples usam login e logout automáticos vinculados ao acesso do colaborador a sistemas internos, mensurando o tempo de conexão ativa. A geolocalização e o reconhecimento facial são tecnologias complementares que aumentam a segurança dos registros, evitando fraudes e garantindo a autenticidade da jornada. Esses sistemas geram relatórios automáticos que servem como base para o pagamento de horas extras, adicionais e eventuais compensações. Com o crescimento do trabalho híbrido, muitas empresas adotaram plataformas integradas que conciliam o controle de ponto presencial e remoto, unificando dados e facilitando auditorias trabalhistas. Essa integração tecnológica leva ao próximo ponto: compreender as diferenças jurídicas entre teletrabalho, home office e modelo híbrido, já que cada modalidade possui implicações distintas quanto ao controle da jornada. Qual a diferença entre teletrabalho, trabalho híbrido e home office? Embora usados como sinônimos, os três conceitos têm distinções jurídicas relevantes. O teletrabalho, previsto no artigo 75-B da CLT, é aquele prestado preponderantemente fora das dependências da empresa, com uso de tecnologias de informação e comunicação. Já o home office é uma das formas de teletrabalho, mas normalmente se refere à execução do trabalho na residência do empregado. Por sua vez, o modelo híbrido combina períodos presenciais e remotos, exigindo um controle de jornada ainda mais preciso. Essas diferenças impactam diretamente na obrigação do empregador de monitorar horários. No híbrido e no home office, como há meios tecnológicos de registro, o controle de ponto é indispensável. Já no teletrabalho, com total autonomia de horário e metas por resultado, pode-se afastar o controle, desde que isso conste expressamente em contrato. Essas nuances reforçam a importância de compreender o papel do empregador na fiscalização da jornada, especialmente diante dos riscos de passivos trabalhistas. De quem é a responsabilidade pelo controle de ponto remoto? Mesmo no trabalho à distância, o empregador continua responsável por garantir o controle da jornada e respeitar os limites legais de carga horária. A ausência de controle não exime a empresa de responsabilidades. Pelo contrário, pode gerar condenações por horas extras presumidas, adicional noturno e intervalos suprimidos. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem sido clara: quando há meios tecnológicos para monitorar o trabalho remoto, o empregador deve utilizá-los. Caso contrário, presume-se que o controle foi possível, e eventual sobrejornada pode ser reconhecida. Além da questão judicial, o controle correto também é uma medida de gestão. Ele garante transparência, evita abusos e protege tanto a empresa quanto o trabalhador. A partir desse entendimento, é possível avançar para as melhores práticas que tornam o controle de ponto uma ferramenta de compliance e segurança jurídica. Boas práticas e ferramentas para empresas A implantação de políticas claras é o primeiro passo. A empresa deve definir regras de registro, horários de disponibilidade, períodos
STF e pejotização: o que está em jogo após a suspensão dos processos sobre vínculo empregatício

A pejotização voltou ao centro do debate jurídico e econômico brasileiro. Em outubro de 2025, o Supremo Tribunal Federal realizou uma audiência pública que reuniu 48 especialistas, além de representantes de trabalhadores e de empresas, para discutir o Tema 1.389, que trata dos limites e da legalidade das contratações por pessoa jurídica. O julgamento definirá em qual esfera esses contratos devem ser analisados e até onde vai a autonomia privada nas relações de trabalho. Em pauta estão três pontos decisivos: a competência da Justiça do Trabalho para examinar alegações de fraude em contratos civis, a licitude da contratação de autônomos e pessoas jurídicas à luz da liberdade de organização produtiva e a distribuição do ônus da prova quando há contestação sobre a validade desses vínculos. Entender como os contratos PJ se desenvolveram desde a Reforma Trabalhista é essencial para avaliar riscos, aprimorar políticas de compliance e garantir equilíbrio entre flexibilidade contratual e segurança jurídica. A Reforma Trabalhista e a flexibilização das formas de contratação A Lei nº 13.467/2017 trouxe mudanças profundas à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), modernizando diversos pontos e reconhecendo novas metodologias de mercado. Um dos efeitos mais relevantes foi a ampliação das formas de contratação, com a inclusão de modalidades como o trabalho intermitente, o teletrabalho e a terceirização irrestrita. Essas transformações criaram espaço para a expansão da pejotização, a prática de contratar pessoas jurídicas individuais (PJs) em vez de empregados com carteira assinada. Na prática, essa forma de relação pode ser legítima quando há autonomia real e ausência de subordinação. Contudo, quando a contratação serve para mascarar uma relação típica de emprego, a empresa incorre em fraude trabalhista. Essa fronteira sutil exige atenção. A Reforma não autorizou o uso indiscriminado da pejotização, mas sim reconheceu a necessidade de adaptar a legislação às novas formas de trabalho, desde que observados os princípios da boa-fé, da voluntariedade e da ausência de dependência hierárquica. O que é a pejotização? A pejotização é a prática em que empresas contratam profissionais como pessoas jurídicas, e não como empregados formais, transferindo a eles encargos e responsabilidades típicas da relação de trabalho. Essa modalidade surgiu como alternativa à rigidez da CLT e ganhou espaço em setores que valorizam a autonomia técnica e a flexibilidade. O modelo pode ser legítimo quando há autonomia real e ausência de subordinação. No entanto, quando utilizado para disfarçar vínculos empregatícios, caracteriza – se como fraude trabalhista e gera riscos jurídicos para a empresa. O que está sendo discutido no STF? O Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem o reconhecimento de vínculo empregatício em contratos de pessoa jurídica. A medida, tomada no âmbito do Tema 1.389, permanece válida até o julgamento definitivo sobre a pejotização. O caso definirá qual esfera deve julgar esse tipo de contrato: a Justiça Comum, que analisa a forma contratual, ou a Justiça do Trabalho, que avalia a realidade da relação e eventuais fraudes. Em discussão estão três pontos principais: A decisão do STF deve impactar diretamente a interpretação da Reforma Trabalhista e a forma como as empresas estruturam seus contratos e políticas de compliance. Audiência pública do STF: o que foi debatido? Em outubro de 2025, o STF realizou uma audiência pública que reuniu 48 especialistas, representantes de empresas e trabalhadores para discutir os impactos da pejotização. O debate apresentou visões divergentes: entidades empresariais defenderam a liberdade contratual e a eficiência econômica, enquanto magistrados e sindicatos alertaram para a precarização do trabalho e a redução das contribuições previdenciárias. As contribuições servirão de base para o voto dos ministros no Tema 1.389, que deve definir o limite entre autonomia legítima e fraude nas contratações por pessoa jurídica. Como a Justiça do Trabalho tem interpretado os novos modelos contratuais Com o aumento dos contratos por pessoa jurídica, a interpretação dos tribunais passou a ter papel decisivo na definição dos limites da pejotização. O posicionamento dos tribunais evoluiu desde a Reforma e a Justiça do Trabalho tem adotado uma postura pragmática: não basta haver contrato entre empresas, é necessário que os fatos comprovem a autonomia. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) e os Tribunais Regionais vêm reconhecendo vínculos de emprego sempre que verificam subordinação estrutural, mesmo que o trabalhador tenha CNPJ ativo. Isso ocorre, por exemplo, em empresas que mantêm profissionais PJ em horários fixos, submetidos a metas e supervisões diretas. Em contrapartida, quando há autonomia real e ausência de ingerência da empresa sobre a execução do serviço, a Justiça tem validado a pejotização, especialmente em atividades intelectuais, tecnológicas e de consultoria. A tendência é valorizar a prova concreta da independência do prestador, o que reforça a importância da gestão documental e do compliance trabalhista. Diferença entre pejotização lícita e fraude trabalhista Nem toda contratação via CNPJ é irregular. A pejotização lícita ocorre quando o prestador de serviços atua de maneira autônoma, define seus horários, assume os riscos de sua atividade e pode prestar serviços a outros clientes. Já a pejotização fraudulenta surge quando a empresa oculta uma relação de emprego, mantendo subordinação, habitualidade e pessoalidade sob uma fachada empresarial. A distinção parece simples, mas sua prova é complexa. Em ações judiciais, o poder diretivo, quando a empresa dita rotinas, horários ou metas de maneira rígida, costuma ser o principal indício de vínculo empregatício. Por isso, é importante que os contratos de prestação de serviços estabeleçam cláusulas claras sobre autonomia técnica e ausência de subordinação. Em outras palavras, a pejotização não é proibida, mas deve ser juridicamente estruturada. Sem uma documentação sólida e coerente com a prática diária, a empresa corre o risco de ver reconhecido um vínculo empregatício retroativo, com pagamento de verbas trabalhistas, encargos e multas. Regra prática: ter CNPJ não impede o reconhecimento de vínculo. Os fatos prevalecem sobre a forma (princípio da primazia da realidade). Se houver subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade, há forte risco de reclassificação. Critérios práticos para identificar vínculo empregatício disfarçado Gestores e advogados internos devem ser capazes de identificar riscos antes que se transformem em litígios, observando quatro elementos que,
Demissão por videochamada pode gerar indenização? Entenda o que diz a Justiça do Trabalho

O desligamento de um colaborador é um momento delicado, que envolve não só questões administrativas, mas também impactos humanos, emocionais e, cada vez mais, jurídicos. A forma como a empresa conduz essa etapa pode reforçar sua imagem de respeito e cuidado ou, ao contrário, gerar desgastes que ultrapassam o ambiente corporativo e chegam aos tribunais. Com o avanço das tecnologias de comunicação e a popularização do trabalho remoto, surgiram novas formas de realizar reuniões, entrevistas e até demissões. Mas até que ponto essas ferramentas podem substituir o contato presencial em situações delicadas? Essa é uma dúvida que hoje ocupa gestores de RH, advogados trabalhistas e o próprio Judiciário, que tem se deparado com casos onde a forma de comunicar a dispensa se torna tão relevante quanto o motivo do desligamento. Foi nesse contexto que uma decisão recente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região ganhou destaque, ao reconhecer que a opção pela demissão por videochamada, em determinadas circunstâncias, ultrapassou os limites do poder diretivo do empregador e resultou em indenização por dano moral. Como ocorreu a demissão por videochamada que levou à condenação O processo analisado pelo TRT da 15ª Região envolveu um tesoureiro que trabalhou por mais de duas décadas na mesma empresa do setor sucroalcooleiro e de energia. No dia do desligamento, ele estava na sede e foi chamado a uma sala reservada. A notícia, porém, não veio de um encontro presencial: foi comunicada por meio de uma videochamada realizada pelo coordenador, em regime de home office, pelo aplicativo Teams. A cena chamou atenção porque nenhum outro funcionário havia sido demitido dessa forma. Testemunhas relataram que, após a chamada, o empregado retornou à mesa, recolheu seus pertences e deixou o local abalado. Na defesa, a empresa alegou protocolos de prevenção à COVID-19 e afirmou acreditar que o trabalhador não estaria presente na unidade naquele dia. As provas, no entanto, demonstraram o contrário. Em primeira instância, o pedido de indenização foi negado. No julgamento do recurso, a relatora Mari Angela Pelegrini entendeu que a forma de dispensa foi constrangedora e discriminatória, considerando o tempo de serviço e a função sensível desempenhada. A indenização foi fixada em R$ 1 mil por ano trabalhado, totalizando R$ 22 mil. Por que a Justiça considerou a demissão virtual constrangedora O ponto central da decisão não foi o uso da tecnologia em si. A Justiça reconheceu que a lei não proíbe a comunicação virtual da dispensa. O problema estava na forma no modo como a medida foi aplicada. Ao analisar o caso, o colegiado deixou claro: a questão não era discutir se é permitido usar videochamada, mas se essa opção, diante das circunstâncias concretas, gerou humilhação. Para os desembargadores, pesaram três fatores: Ou seja, não foi a tecnologia a culpada, mas a falta de sensibilidade no uso dela. Se todos estivessem em regime remoto, talvez a dispensa virtual fosse aceitável. Mas naquela circunstância, em que o empregado estava presencialmente no escritório, a opção pelo vídeo soou fria, desproporcional e discriminatória. Esse raciocínio demonstra que o Judiciário está atento não só ao conteúdo jurídico da dispensa, mas também à sua forma. A dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, serve como parâmetro para avaliar se determinado procedimento extrapola os limites do poder diretivo do empregador. Ao compreender esse raciocínio, gestores e empresários percebem que a decisão judicial não foi um ataque ao uso de ferramentas digitais, mas sim um sinal sobre como a falta de cuidado em momentos delicados pode transformar um desligamento em um litígio. Como a Justiça interpreta o dano moral em demissões? O poder de demitir é reconhecido pela legislação trabalhista. A empresa não precisa justificar a dispensa sem justa causa, bastando pagar as verbas rescisórias previstas na lei. Mas o modo como esse poder é exercido pode gerar consequências adicionais. O dano moral surge quando a conduta do empregador viola direitos de personalidade do trabalhador, como honra, imagem ou dignidade. Não é qualquer incômodo que gera indenização: é preciso haver humilhação, exposição ou constrangimento que ultrapassem a normalidade da relação de trabalho. No caso julgado pelo TRT da 15ª Região, que esse artigo analisa, o Tribunal entendeu que a forma escolhida para a dispensa atingiu exatamente esse limite. Um funcionário experiente, com carreira longa e em função estratégica, foi comunicado do desligamento de maneira inédita e diferenciada em relação aos colegas. O Tribunal avaliou que, nessas condições, houve quebra de isonomia e desrespeito ao princípio da dignidade humana. A indenização foi fixada em R$ 22 mil, mas a quantia foi a consequência visível de algo mais profundo: a reafirmação de que a dispensa não é um ato meramente administrativo, mas um momento carregado de valor simbólico e humano. Esse entendimento está alinhado à jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que em outros precedentes já considerou abusiva a dispensa feita em público ou com exposição indevida do trabalhador. A jurisprudência reforça que o poder de demitir não é absoluto e deve ser exercido com respeito. Essa percepção muda como empresários e RH precisam encarar os desligamentos. Eles deixam de ser uma obrigação burocrática e são também um exercício de responsabilidade social e reputacional. O que empresas e RH podem aprender com o caso Se a decisão judicial deixou um recado, ele foi direto: a forma importa tanto quanto o conteúdo. Empresas que concentram seus cuidados no cálculo das verbas rescisórias podem estar deixando de lado um risco significativo. O primeiro aprendizado é que empatia e respeito são parte da gestão de riscos. Reconhecer a trajetória de quem trabalhou por anos na empresa, garantir que o comunicado seja feito em ambiente adequado e permitir que o empregado se sinta tratado com consideração são medidas simples, mas que reduzem muito a chance de litígio. Outro ponto é a coerência nas práticas internas. No caso julgado, a demissão virtual foi aplicada só para um funcionário, criando um tratamento desigual em relação aos demais. Isso foi determinante para a condenação. Logo, empresas devem padronizar procedimentos e evitar improvisos
Jornada extenuante e o risco de dano existencial para empresas

O tema da jornada de trabalho aparece com frequência nas discussões da Justiça do Trabalho. Em agosto de 2025, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou uma empresa do setor de alimentos a indenizar um caminhoneiro que cumpria rotinas de até 21 horas por dia. O caso, de grande repercussão, serve de alerta aos empregadores: jornadas extenuantes não se resolvem apenas com o pagamento de horas extras. Elas expõem a empresa ao risco de reconhecimento do dano existencial, que pode gerar condenações ainda mais severas. Para empresários e gestores de Recursos Humanos, compreender esse risco é indispensável. A responsabilidade jurídica vai além da folha de pagamento e inclui assegurar que o trabalhador consiga manter sua vida pessoal, familiar e social em condições mínimas de dignidade. Essa perspectiva é obrigatória para entender a postura cada vez mais rigorosa da Justiça ao ampliar o alcance do dano existencial no ambiente corporativo. O que é jornada extenuante e por que preocupa as empresas A legislação brasileira fixa limites objetivos para a jornada de trabalho. A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XIII, estabelece o máximo de 8 horas diárias e 44 horas semanais, assegurado o descanso semanal remunerado. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nos artigos 58 e 59, detalha essas regras e admite, em situações específicas, a prorrogação da jornada por até 2 horas extras diárias, caso haja acordo individual, convenção ou acordo coletivo e o pagamento do adicional correspondente. Há ainda hipóteses excepcionais em que a lei permite a ampliação ou a redução da jornada. O artigo 61 da CLT autoriza a prorrogação em casos de força maior, serviços inadiáveis ou recuperação de serviços essenciais. Já o artigo 62 exclui do controle de jornada os empregados externos incompatíveis com fixação de horário, os cargos de confiança e os teletrabalhadores sem controle de ponto. Quando a empresa ultrapassa esses limites de forma habitual, sem garantir o descanso legal e sem se enquadrar nas exceções, configura-se a jornada extenuante. Essa prática expõe o empregador a riscos jurídicos e compromete o bem-estar do trabalhador. O excesso reduz a produtividade, amplia o risco de acidentes e gera passivos significativos. Além dos cálculos de horas extras, a discussão envolve a responsabilidade jurídica e social do empregador. Nesse cenário, a noção de dano existencial ganhou força na jurisprudência, reconhecendo que jornadas abusivas podem limitar o exercício de direitos fundamentais. Dano existencial: da doutrina à prática empresarial O conceito de dano existencial surgiu na doutrina italiana, sendo incorporado ao direito brasileiro nos anos 2000. A reforma trabalhista de 2017 consolidou o tema nos artigos 223-B e 223-C da CLT, reconhecendo que a violação pode atingir dimensões da vida para além do corpo e da mente, comprometendo a convivência familiar, o lazer, a participação social e a autoestima. A legislação passou a prever expressamente que, além do dano moral, pode haver também o dano existencial, quando a jornada impede o trabalhador de exercer atividades básicas de uma vida digna. Para a Justiça do Trabalho, esse prejuízo decorre da impossibilidade de usufruir do tempo livre, mesmo sem diagnóstico clínico de doença. Quando a jornada configura o dano A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) já decidiu que o excesso de horas, por si só, não garante indenização, sendo necessária a comprovação de prejuízos concretos. No entanto, o TST tem admitido situações-limite em que a intensidade da jornada torna desnecessária essa prova adicional. É o caso do chamado “distinguishing”, quando determinados abusos não podem ser tratados como regra geral. Essa interpretação ganhou força no julgamento recente que envolveu a JBS, em que a jornada extenuante foi considerada, por si só, suficiente para caracterizar o dano existencial. A partir desse ponto, fica claro que as empresas não podem tratar o tema apenas como cálculo de horas extras, mas como risco jurídico relevante. O caso JBS: um sinal para empregadores O processo analisado envolveu um caminhoneiro que trabalhava das 6h às 22h, com apenas duas folgas mensais. Em algumas ocasiões, sua rotina chegava a 21 horas diárias, o que tornava inviável qualquer forma de descanso ou convívio familiar. A empresa sustentou que não havia prova concreta de prejuízo existencial, mas a Terceira Turma do TST rejeitou o argumento. Para o relator, ministro Alberto Balazeiro, “é impossível não reconhecer configurado o ato ilícito” diante de jornadas tão longas, inclusive em domingos e feriados, sem compensação adequada. O valor da indenização foi fixado em R$ 12 mil. Mais do que o aspecto financeiro, o precedente deixou claro que jornadas abusivas representam afronta direta à dignidade humana e podem gerar indenizações além do pagamento de horas extras. As empresas de setores com alta demanda operacional, como transporte, logística, agronegócio e indústria devem estar atentas a essa decisão. Ela também aponta para um ponto central: a Justiça do Trabalho tem sinalizado maior rigor em casos de jornadas extenuantes, tendência que se confirma em decisões posteriores. Tendências da Justiça do Trabalho sobre jornadas abusivas O caso JBS não é isolado. A Justiça do Trabalho tem adotado postura mais rigorosa diante de jornadas excessivas. Embora a regra ainda exija comprovação de prejuízo, já se consolidam decisões em que o excesso extremo de horas é suficiente para caracterizar o dano existencial. Esse movimento ficou evidente em decisões de 2025. Quando a jornada ultrapassa 16 horas diárias, os tribunais têm reconhecido que a limitação do tempo inviabiliza qualquer vida social ou familiar, dispensando a necessidade de provas adicionais. Repercussão coletiva e segurança pública A discussão não se restringe ao contrato individual. Jornadas abusivas aumentam o risco de acidentes de trabalho e, em setores como o transporte rodoviário, comprometem a segurança de toda a sociedade. Por isso, os julgados recentes demonstram que a proteção vai além da esfera privada e alcança o interesse público. Essa evolução jurisprudencial indica que empresários e RH precisam repensar a gestão de jornadas sob a ótica do compliance e da responsabilidade social. Esse é também o elo com o próximo desafio: entender os reflexos dessas práticas na saúde e na segurança do trabalhador,